Votação da Anvisa é adiada e setor teme saída de William Dib no fim do ano

Valéria França

Nesta terça de manhã (15), a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) apresentou duas propostas de regulamentação para a Cannabis medicinal. Uma delas referente ao cultivo para fins medicinais e outro sobre o registro e comercialização dos produtos. No fim da sessão, dois dos cinco diretores do colegiado pediram vistas– termo técnico para uma análise mais aprofundada do material –, o que adiou a votação.

Na semana passada, o cardiologista William Dib, presidente da Anvisa, tirou da pauta a votação e dividiu o documento em duas partes para apresentar nesta terça. Ele sabe que o Governo é contra o cultivo. Foi uma estratégia. Se derrubassem o plantio, salvaria a regulação dos medicamentos.

O Governo Federal expressou o posicionamento diversas vezes. Em agosto, o presidente Jair Bolsonaro criticou agências como a Anvisa. Indagou se estavam “procurando criar dificuldade para vender facilidade”. Chegou a dizer que não foi eleito para legalizar as drogas.

Em julho, o Senado aprovou o contra-almirante da Marinha Antonio Barra Torres– indicado por Bolsonaro– para ocupar uma das cinco cadeiras da diretoria da Anvisa. Durante a sabatina, o candidato revelou que a aprovação medicinal poderia ser aprovada, mas o plantio, não. Segundo ele, “não seria possível fiscalizar”. Mesma opinião tem os aliados como o ministro Osmar Terra e o senador Eduardo Girão (Podemos-CE), que entrou com o Projeto de Lei 5159/2019 , que obriga o SUS (Sistema Único de Saúde) a fornecer os remédios exclusivamente de CBD (Canabidiol).

A Anvisa propõe o cultivo apenas para a produção de medicamento e pesquisa científica. Nesta terça (15), Torres, mais conhecido como Almirante, pediu vistas justamente para este documento. No fim da reunião, disse à imprensa que na próxima sessão não iria pedir a segunda minuta para análise –a de regulação e registro do medicamento de Cannabis, que ficou com o diretor Fernando Mendes para melhor avaliação.

Os diretores tem no máximo trinta dias para chamar nova reunião do Dicol (Diretoria Colegiada da Anvisa). Isso se não resolverem de fato trocarem de minutas entre eles. “Há uma preocupação de os diretores a favor do Governo postergarem nova votação para que assim expire o mandato do presidente William Dib” diz Arthur Ferrari Arsuffi, do escritório Reis, Souza, Takeishi e Arsuffi Advogados. Mola propulsora do processo, Dib deixa a presidência da Anvisa um dia depois do Natal.

A preocupação do setor é grande. Há um consenso de que a próxima gestão não será tão progressista cientificamente como a atual.

Leia abaixo a opinião empresários, políticos e advogados que acompanharam o processo da nova regulação:

 

Emílio Figueiredo, advogado (representante dos interesses dos pacientes)

“A Anvisa não é tão independente assim. O governo se faz presente em uma agência que deveria ser livre. Os dois são insensíveis às famílias que precisam da Cannabis.”

Caio Abreu, advogado e empresário (Entourage)

“Anvisa fez um trabalho muito robusto. Do ponto de vista técnico não há motivo para a não aprovação. O trabalho não tem falhas. Só consigo entender a não aprovação por motivos políticos. Se isso acontecer é a usurpação ideológica de um órgão técnico muito importante.”

Marcelo Galvão, empresário (OnixCann)

“O plantio justificável teria de ser a céu aberto. O cultivo fechado, como propõe a Anvisa, é muito caro. Até para as universidades seria um investimento alto. Por isso é uma regulação que nasce morta. Do ponto de vista dos medicamentos, a Anvisa foi brilhante. Eles incluíram uma nova modalidade. Medicamentos de CBD (Canabidiol) com até 0,2 % de THC ficaria controlado, mas dispensaria o registro. Essa quantidade de THC não provoca nenhum efeito psicotrópico, mas acelera o efeito do CBD. A proposta segue o modelo europeu. Todos os 7 mil pacientes brasileiros usam medicamentos com extrato de THC menor que 0,3%. A Anvisa entendeu as necessidades do paciente.”

Eduardo Girão (Podemos-CE), senador

“Respeito muito o trabalho desenvolvido pela Anvisa, porém entendo que os pedidos de vista dos foram muito importantes para possibilitar um estudo mais detalhado do que foi proposto.”

Rodolfo Rosato, empresário (Kannamed )

“O adiamento foi muito decepcionante, mas era esperado. Fiquei impressionado como a emoção do (William) Dib em alguns momentos. Quando as pessoas entendem do que estamos realmente falando, esse sentimento se torna muito forte dentro de nós. Não importa o quanto alguns setores mais conservadores tentem barrar a regulação do mercado. É um processo que ninguém para. Não pode mais haver pessoas esperando 3 meses para receber um medicamento. Estão cometendo um crime contra as famílias.”