Os altos e baixos da Cannabis medicinal em 2019 e as perspectivas para 2020
Dono de duas aceleradoras de negócios da Cannabis e uma plataforma digital de informação, o neuro-cirurgião Pedro Pierro, de 45 anos, é considerado um especialista da área. Ele entrou no mercado nacional há cinco anos, quando o movimento de pacientes começava a pressionar à Anvisa. Ao fazer um balanço sobre os altos e baixos do mercado este ano, especialmente para o Cannabis Inc, ele colocou em dúvida se a nova regulação da Anvisa vai trazer mais acesso aos medicamentos.Também disse que o preconceito atrapalha muito o avanço na saúde e nos negócios.
Pierro tem experiência clínica e acompanha casos de doenças refratárias – aqueles pacientes que não respondem aos medicamentos convencionais. Em 2014, ele era totalmente cético em relação aos tratamentos realizados com Cannabis medicinal. Mas uma paciente com epilepsia refratária, que acompanhava no consultório, mudou o curso das crenças e apostas dele.
O médico já havia prescrito, sem sucesso, todas as alternativas da medicina convencional para a menina, de 5 anos, que sofria 20 convulsões diárias. Subitamente, sem que ele entendesse muito bem o motivo, ela teve uma melhora expressiva. Médico e familiares ficaram satisfeitos.
Ao longo do tempo, porém, ela contraiu uma pneumonia e internada na UTI de um hospital. Enquanto os médicos tratavam da infecção, as antigas convulsões voltaram. Foi neste momento que a família revelou ao médico que estava dando à menina o óleo de Cannabis em casa. “Eu fiquei indignado. Disse à mãe dela que a criança estava arriscada de perder a vaga da UTI”, conta. A mãe rebateu: “As convulsões só cessaram com a Cannabis. Ela precisa receber a medicação no hospital. Ela regrediu ao estado de antes.”
Como o quadro de pneumonia estava resolvido, ela foi transferida para o quarto. “Lá a mãe pode dar o óleo sem que os médicos soubessem e as convulsões cessaram novamente”, conta Pierro que se tornou um pesquisador no assunto e depois enxergou as oportunidades de negócios. Abaixo ele avalia os altos e baixos de 2019, além de revelar o que espera desse mercado para 2020.
Qual foi o pior evento de 2019?
O cancelamento do congresso do Uruguai (o Cannamerica) na véspera do evento foi ruim. Mostrou a desorganização do Uruguai e da América do Sul para os negócios.
E o melhor evento qual foi?
A nova regulação da Anvisa sobre a comercialização da Cannabis medicinal. Conseguimos caminhar, mas não resolvemos coisas importantes. Não sei o quanto foi resolvido a questão do acesso à medicação. A Cannabis medicinal já é vendida na farmácia.
O senhor se refere ao Mevatyl, imagino. Mas esse é o único medicamento no mercado nacional. Ao aumentar a oferta nas prateleiras das farmácias teremos mais competitividade…
É verdade. Porém, o consumidor achava essa variedade comprando direto do distribuidor. Agora, ele vai adquirir o produto na farmácia, que compra do distribuidor. Resolveram a questão do tempo– pois teremos estoque–, mas não do preço. Se você não oferece preço, as pessoas compram no mercado negro, o que é um risco à saúde. Hoje a mídia divulga que a Cannabis é uma possibilidade de tratamento, o que aumenta o interesse da população.
Houve outro sinal de avanço do setor?
Pela primeira vez a Cannabis medicinal foi tratada com um tema dentro da SBED (Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor), durante um congresso. É importante a ampliação do conhecimento. A Cannabis entra no debate, expõe opiniões. Quem não concorda tem a obrigação de estudar para contestar com argumentos. De qualquer maneira, as pessoas saem com mais conhecimento. Dizem que o governo é contra à Cannabis medicinal ideologicamente. Na minha opinião, o que existe hoje por parte de algumas pessoas não tem nada de ideologia, mas de preconceito. São coisas diferentes. A Cannabis medicinal é uma das poucas pautas que une direita e esquerda. Precisamos separar as coisas. O que o ministro Osmar Terra fala, por exemplo, não é ideologia mas sim preconceito. Essa postura atrapalha o debate.
O que o senhor espera para 2020?
Espero que esse mercado se organize melhor no Brasil. Médicos e empresas precisam achar um ponto de equilíbrio, sem esquecer que o ator principal é o paciente.
O que muda, na sua opinião?
No próximo ano acho que pouca coisa muda. Os medicamentos não chegam este ano às farmácias. As empresas precisam esperar pelo registro na Anvisa, o que vai demorar um pouco.
Os novos fundos de Cannabis são um bom sinal?
A Cannabis é uma commodity como o milho. Os fundos de investimentos atraem dinheiro para negócios no exterior e não para o Brasil. Aqui as pessoas vão enxergar que isso é só business e não uma questão medicinal. Vão dizer que é lobby das empresas. O negócio será deturpado pela opinião dos mais conservadores.