Evento mostra que regulação da Cannabis medicinal é um exercício de democracia

A Cannabis medicinal é um ótimo exemplo do poder da democracia, tema tão discutido neste governo. Da necessidade real do povo, muitas leis podem, sim, ser alteradas ou criadas. Neste sábado (7), na zona Oeste de São Paulo, o Cannabis Thinking, evento para empreendedores, retrocedeu na linha do tempo mostrando que, no Brasil, a regulação da Cannabis medicinal surgiu de um trabalho de cidadania movido pela empatia, que envolveu muitos setores. É do esforço conjunto em solucionar um problema de saúde, que está surgindo uma nova economia.

Fundadora do CIVI-CO– fomentador de negócios de impacto sociais e parceiro da The Green Hub no evento–, Patricia Vilella Marino contou à plateia como se envolveu com a questão da Cannabis medicinal. “Estava grávida e conheci mães que tinham filhos com doenças raras (que apesar do nome não são poucas, 13 milhões de pessoas). Na época, por volta de 2014, o Brasil nem falava em doenças raras.” Segundo Marino, eram “mães que não podiam nem tomar banho”, porque os filhos poderiam morrer por falta de socorro neste pequeno espaço de tempo. Ela trocou a simpatia por empatia. Sentiu-se no lugar daquelas mães.

Patricia Villela Marino, fundadora da CIVI-CO: “é preciso se colocar no lugar do outro” (Foto:Valéria França)

A Cannabis medicinal é comprovadamente um anticonvulsivo. Também alivia dores crônicas e melhora os sintomas de doenças de difícil tratamento como o Parkinson e o Alzheimer. Em 2014, porém, a Cannabis medicinal só podia ser comprada no mercado paralelo –o que para uma mãe desesperada não é obstáculo. Muitas chegaram a ser presas como traficantes.

Ainda sob os holofotes de todos, ela cumprimentou rapidamente pessoas importantes desse processo que estavam na plateia. O advogado e ativista Emílio Figueiredo e o diretor do filme Ilegal, de 2014, Tarso Araújo. Figueiredo foi autor dos primeiros casos de judicialização do cultivo, Tarso, do documentário que contou a trajetória das mães, cujos os filhos eram refratários aos medicamentos clássicos.

No mesmo ano, 2014, a Justiça havia concedido a primeira importação do remédio, para uma paciente que chegou a ter 60 convulsões em 1 dia. Um ano depois, em 2015, a Avisa (Agência de Vigilância Sanitária) tirou o CBD (canabidiol) da lista de substâncias proibidas e o reclassificou como medicamento. Até aquele momento, o governo federal havia recebido 374 pedidos de importação de pacientes para uso pessoal e médico. Em dezembro de 2019, ela regulou o comércio da Cannabis medicinal, permitindo a venda em farmácias, mas não o cultivo, que forneceria a matéria-prima para os fabricantes a um preço mais acessível, quando comparado ao extrato importado.

Paulo Teixeira: o cultivo é necessário para o medicamento ser acessível a todos (Foto: Valéria França)

Pouco antes disso, em outubro de 2019, o congresso criou uma comissão especial para analisar a regulamentação da Cannabis medicinal, que vem realizando uma série de audiências públicas e viagens pontuais para conhecer de perto a legislação de outros países. O presidente da comissão Paulo Teixeira (PT-SP) estava lá. Ele antecipou alguns itens do projeto de lei que entrega em abril. “O cultivo é necessário para que o medicamento seja acessível a todos os pacientes”, disse à plateia.

Para Teixeira, a Cannabis medicinal é uma causa apartidária. “Na comissão, trabalho com um deputado do PTB (Eduardo Costa) e do PSB (Luciano Ducci) e eu sou do PT. Eu poderia ter me apresentado tranquilamente com o Fernando Henrique Cardoso, que é do PSDB.”

FHC abriu o Cannabis Thinking. Falou sobre os tabus que o tema enfrenta. “Eu perdi a prefeitura para o Jânio Quadros porque descobriram que eu era ateu e a favor da discussão das drogas”, lembrou. “Beber todo dia faz mal à saúde. Mas quase todo mundo bebe de vez em quando.” Segundo ele, “ao invés de proibir, regulamentar” como foi feito com o álcool.

A saída seria discutir com a sociedade. A educação e a informação são fundamentais para que o cidadão possa decidir. “Está ligada à questão da democracia. Ou você confia que as pessoas aprendem e decidem ou não tem jeito. Você vai colocar o estado impondo. Pode funcionar durante um tempo, mas acaba acirrando os problemas”. E acrescentou: “a droga é um problema de saúde pública.”