Você sabe o que é um ativista de Cannabis?
Se pensou na figura do jovem alternativo à frente de uma marcha da maconha, não está errado. Mas esta imagem envelheceu. Hoje temos o ativista profissional, aquele que deu certo, integrou-se e se destacou no sistema capitalista. Tem por detrás uma empresa de publicidade e comunicação, e uma mensagem elaborada sobre os valores da Cannabis.
Segundo o americano Steve DeAngelo, de 64 anos, o ativista profissional mais conhecido do planeta, é alguém que pensa na planta como um símbolo de uma filosofia de vida, que leva à mudança social em direção ao bem-estar, a paz e ao amor. “Nós temos uma relação especial com a planta, não a enxergamos apenas como uma erva terapêutica, mas como um professor e uma força positiva de mudança.”
Vestindo roupas sóbrias– mas não clássicas, como um paletó preto desconstruído e gravata Beatles (slim)–, ele é fácil de ser reconhecido de longe pelas duas longas tranças grisalhas, que descem sob o chapéu coco que, invariavelmente, usa. Figura excêntrica, decerto, formado em direito, exerce papel de educador social e administra um pequeno império de empresas verdes.
Ao longo de quatro décadas de ativismo, DeAngelo se transformou em um ídolo canábico, que luta pelos oprimidos, pelas questões sociais mais emergentes. “Se você está na indústria ou deseja estar, deve ser guiado pela verdadeira motivação de servir à causa mais do que a você mesmo”. E continua: “Nós precisamos cultivar a ideia de que fazer parte da indústria significa participar da verdadeira mudança e servir aos outros.”
DeAngelo é o fundador do LPP (Last Prisioner Project), uma organização sem fins lucrativos, que tem como objetivo lutar pela liberdade de todas as pessoas que foram condenadas por crimes relacionados à maconha. Quando um detento consegue sair da cadeia, a fundação dá o suporte para a reintegração social dele. Oferece moradia, emprego e cursos de treinamento profissional.
A ação vai além. Por exemplo, nos protestos desencadeados pela morte de Jorge Floyd – o afrodescendente asfixiado por uma policial nas ruas de Minneapolis em 25 de maio deste ano–, a LLP providenciou representação legal para os manifestantes detidos durante os atos.
DeAngelo é considerado o pai da Cannabis. Um título que também vem do sucesso nos negócios. Ele fundou a Harborside Help Center – o primeiro dos seis dispensários licenciados nos Estados Unidos, e hoje um dos maiores de Cannabis medicinal. Mais do que uma loja, trata-se de um centro de bem-estar, com aulas de yoga e meditação entre outras práticas para o equilíbrio mental e do corpo. A empresa tem ações listadas na bolsa de valores do Canadá, onde está localizado uma das quatro filiais.
Entre os negócios, ele ainda tem o Steep Hill Laboratory, de serviços de análises a produtores legais, e a Arcview Group, companhia de investimentos do mercado de ações de Cannabis.
O empresário vive mergulhado neste mundo ainda tão desconhecido da maioria dos brasileiros, mas considerado essencial pelo governo americano em alguns dos estados do país durante a pandemia. Segundo o Banco Montreal, US$ 196 bilhões de dólares deve ser o montante movimentado pelo setor no mundo até 2026. Durante a pandemia e a consequente depressão da bolsa no período, as empresas de Cannabis recuperaram os prejuízos do ano passado e chegaram a bater recordes de vendas.
Com a Covid-19, DeAngelo trocou as aparições nos congressos pelas lives– participou de um webinário até com um grupo de brasileiros, organizado pela The Green Hub, aceleradora de negócios no início de junho.
Ele está conectado o dia todo nas redes sociais. Mostra-se sempre disposto a dar entrevistas. Não perde a paciência por mais disparatadas e despreparadas que sejam as perguntas. Como um pai-educador, nunca usa slangs (gírias). Não relaxa na postura, que está mais para lorde do que para ativista. Jamais interrompe seus interlocutores. Tem gestos e risada contida.
Nunca usa a palavra marijuana (maconha), por ela estar ligada ao estigma do ilegal e do crime. A palavra Cannabis é a chave da ressignificação das novas empresas verdes, legais e lucrativas.
Em 2015, DeAngelo escreveu o livro The Cannabis Manifesto –A New Paradigma for Wellness (O Manifesto da Cannabis – O Novo Paradigma para o Bem-estar), editado pela North Atlantic Book, com 230 páginas. O livro é resultado de uma nova visão, diria mais moderna, da Cannabis que transita pela medicina, ciência, efeitos biológicos, espirituais e sociais.
Voltando ao ativismo, ele avisa que não é o único. “Nós falamos idiomas diferentes. Temos raças, nacionalidade, nível de educação e renda distintos. Porém dividimos um sistema de valores comum”, diz ele. “Em todos os lugares, somos uma tribo que sobrepõe a criatividade aos padrões estabelecidos, liberdade à ordem, natureza à indústria, inclusão à descriminalização, amor ao ódio.”