Para NatuScience, THC pode ser visto como droga, mas é medicamento

Cannabis ruderalis
Valéria França

Para saber sobre o panorama desafiador da Cannabis medicinal no Brasil, entrevistei Theo Van der Loo, fundador da NatuScience, criada para pesquisar novos medicamentos para doenças como epilepsia, esclerose múltipla e autismo.

No Brasil, o executivo esteve durante 30 anos à frente da Bayer, uma das maiores farmacêuticas do mundo. O setor da Cannabis medicinal segue aqui quase as mesmas regras que a Anvisa exige para o registro de um medicamento alopático. A NatuScience surgiu um ano e meio depois de Van de Loo ter saído da Bayer.

São muitos os desafios dos empresários da Cannabis no Brasil. Para começar, a regulação do setor é nova – aprovada em dezembro­– e muito técnica para quem não entende de fármacos. Some isso ao preconceito em relação ao tema.

Há ainda a crise econômica atual provocada pela pandemia da Covid-19, que refreou os investimentos em todo o mundo. Vale lembrar que a maioria das empresas nacionais ainda se encaixa na categoria startups. Isso quer dizer que estão em ritmo de captação de investimentos.

Na entrevista abaixo Van der Loo discorre sobre o preconceito ao THC, substância importante para muitos tratamentos, e a necessidade da aprovação de uma lei de cultivo para viabilizar um preço final mais acessível aos pacientes.

 

Qual é o maior desafio de um empresário da Cannabis atualmente no Brasil?
TVL: O grande desafio é conseguir trazer o THC acima de 0,3%. É muito difícil conseguir um fornecedor para importar. Não é uma questão de regulatório da Anvisa, mas de polícia. Há um preconceito muito grande em relação ao THC. Ele pode ser visto como uma droga, mas é um medicamento. Alguns medicamentos só vão funcionar se você tiver uma dose maior de THC.Ele é necessário para o tratamento de doenças.

 

É tão importante assim?
TVL: Sim, por causa do dose-resposta em forma de sino, quando você tem de aplicar uma dose maior de THC para conseguir o benefício da substância. Você tem de achar o limite bom de cada paciente (o que varia conforme o indivíduo). A dose atual que vem sendo dada é muito baixa. Teria de ser 0,7%, pelo que venho pesquisando.

 

Muitas pessoas encaram a Cannabis como uma commodity. O que o senhor acha disso?
TVL: Chamar de commodity é banalizar um pouco. Não se trata de um genérico. Tem mais coisas que não conhecemos sobre a Cannabis do que conhecemos. Falar que é commodity, sem estudo suficiente, não é adequado. Não existe patente nesta área, o que aumenta o desafio. No medicamento clássico você descobre a molécula e depois desenvolve o remédio.

Mas então como se estabelece a diferença entre os medicamentos de Cannabis?
TVL: A genética é o diferencial. Para ter sempre o mesmo produto o único caminho está na clonagem das plantas. Você pode ter duas plantas com a mesma concentração, mas elas podem ser diferentes, funcionando para doenças distintas.

 

Qual é a sua visão sobre o futuro da Cannabis medicinal no Brasil?
TVL: Há muito o que fazer ainda conforme for aumentando a qualidade do produto e paralelamente melhorando o regulatório. Há todo um preconceito que precisa ser dissolvido. Também é preciso educar o médico como usar a Cannabis. Informá-los sobre as formulações que as empresas têm. Podemos falar da qualidade e da genética. Mas a indicação terapêutica só vai surgir quando houver o registro para aquela terapia. Cada indicação é uma pesquisa clínica.

Qual é a receptividade dos médicos em relação à Cannabis?
TVL: Tenho muita visão farmacêutica. Há 450.000 médicos no Brasil. Cerca de 70.000 especialistas seriam um grupo alvo. Destes apenas 40% se interessariam, ou seja 28.000. Como ainda não existem registros de testes clínicos na Anvisa, apenas 10% experimentariam a Cannabis.

Hoje um medicamento de Cannabis na farmácia custa em torno de R$ 2.000. Não dá para fazer um produto mais acessível?
TVL: Fizemos um cálculo por alto. Você aumenta R$ 1.005 o preço com ICMS e transporte. Isso sem a margem de lucro. Efetivamente, todo mundo vai tentar baratear o custo de fabricação.  Mas o Brasil precisa rever a política de proibição do plantio para viabilizar preços acessíveis.

 

Qual é o projeto da NatuScience?
TVL:
Nosso projeto é importar o extrato e embalar no Brasil. O mundo perfeito seria plantar aqui para fazer a própria genética da Cannabis medicinal que se quer usar. Por enquanto, estamos adequando o laboratório às exigências da Anvisa.