Pai da Cannabis explica a medicação revolucionária que desenvolveu
Na década de 1960, ele descobriu o sistema endocanabinoide – um conjunto específico de receptores do corpo humano, que decodificam informações para a ação farmacológica da Cannabis. Foi assim que o búlgaro, filho de judeus, Raphael Mechoulam, 89, virou referência mundial.
Em julho deste ano, ele anunciou ao mundo outra descoberta, um novo composto elaborado a partir de substâncias da planta– o EPM 301 (éster metílico do ácido canabidiolico). O composto suprime a ansiedade e o vômito.
Esta semana, ele explicou para uma platéia de brasileiros porque a descoberta dele é mais uma vez revolucionária. “O composto será um grande diferencial no tratamento de pacientes com câncer em quimioterapia, de doentes com inflamação no intestino e com psoríase (uma dermatite que descama e causa manchas avermelhadas na pele)”, disse Mechoulam.
Na última terça-feira (4), o pesquisador foi a atração internacional do CNABIS (Congresso Digital de Cannabis Medicinal), evento gratuito e aberto ao público organizado pela plataforma Dr. Cannabis. Mechoulam explicou que venceu o desafio de estabilizar componentes da planta para serem produzidos em larga escala.
Batizado de EPM 301 (éster metílico do ácido canabidiolitico), o medicamento é um composto de canabiolíticos, substâncias que existem na planta antes de os canabinoides serem produzidos pela mesma. Uma espécie de pré-canabinoides mais potentes que os famosos THC (tetrahidrocanabidiol, que dá o barato) e CBD (canabidiol).
EPM também é nome da empresa americana global de biotecnologia que patenteou o composto 301. As patentes são fundamentais para indústria farmacêutica ver o dinheiro investido nas pesquisas retornarem aos cofres da empresa e ainda lucrar. Isso explica, em parte, a demora para as grandes do setor entrarem no negócio da Cannabis. “Gerações mais novas poderão colher os benefícios”, disse Mechoulam durante o CNABIS.
Mechoulam migrou, em 1949, para Israel, onde estudou Química Orgânica. Atualmente é professor e pesquisador da Universidade Hebraica de Jerusalém. Apesar de ter quase nove décadas de vida, tem a energia de um garoto. “A Cannabis medicinal não está sendo usado na clínica como deveria”, costuma dizer nas entrevistas que dá pelo mundo para impulsionar os benefícios médicos da planta.
Mechoulam conhece bem o Brasil e os EUA, países que já colaborou cientificamente. “Há 40 anos, desenvolvi uma pesquisa com Elisaldo Carlini”, disse durante o evento. Ele se refere ao professor emérito da Universidade Federal de São Paulo e diretor do Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas Psicotrópicas, que hoje está com 91 anos. Na época, os dois procuravam desvendar os efeitos da Cannabis na epilepsia, porém não conseguiram avançar muito.
“Mais tarde, surgiram as comprovações de que de fato reduz a quase zero as crises convulsivas”, disse Mechoulam, que em 2018 viu o FDA aprovar o Epidiolex, fabricado pela inglesa GW Pharmaceutical. Era o primeiro remédio à base de Cannabis para casos raros de epilepsia infantil.