Amigos dão adeus ao pai brasileiro da Cannabis medicinal, no Cemitério Congonhas, em São Paulo

Em cerimônia íntima, de pouco mais de uma hora entre velório e enterro, amigos e familiares despediram-se nesta quinta-feira (17) de Elisaldo Carlini, 90, no Cemitério Congonhas, em São Paulo. Professor e pesquisador da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), ele deixou seis filhos, dois do atual casamento com a também colega de profissão Solange Nappo, 69, com quem viveu 30 anos.

Carlini travou uma batalha árdua contra dois cânceres. Depois de conseguir retirar cirurgicamente um tumor na bexiga, continuou o tratamento de outro na próstata, mais resistente, que evoluiu para metástase. “Havia atingido o pulmão e o rim”, conta o amigo da família, o engenheiro José Sidney de Gerone, 71, que trabalhava com Carlini no Cebrid (Centro Brasileiro de Informação Sobre Drogas), da Unifesp.

Gerone é amigo da viúva, Nappo, desde a infância. A amizade se estendeu à família e à parceria no campo profissional com Carlini. Ele cuida das finanças do Cebrid, fundado pelo pesquisador no Departamento de Medicina Preventiva da Unifesp.

“Apesar de o velório e enterro terem sido abertos, só compareceram as pessoas mais próximas”, conta. “Nesta época de Covid-19, as homenagens e manifestações de pêsames vieram pela internet, logo após a morte dele ontem (quarta-feira).”

Carlini morreu no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, onde permanecia internado há mais de um mês. Estava sedado e entubado. Dois cuidadores se revezavam com a família para que ele nunca ficasse sozinho. “Carlini faleceu, logo depois que a esposa chegou ao hospital, por volta das 15 horas de ontem”, conta Gerone. “Foi o último suspiro.”

“Ele deixa muita saudade e muito exemplo. Eu costumava dizer que quando os médicos fossem abrir o corpo dele só encontrariam o coração”, diz Gerone, escolhido como o porta-voz de Nappo. “Ela está inconsolável.”

O professor tinha paixão pelos cães. Foto: arquivo de família

Carlini costumava ajudar a todos quando tinha oportunidade. Nunca deixava de comprar balas e bugingangas, vendidas nos faróis. Era solidário com as necessidades dos funcionários da Unifesp. Em 2018, no aeroporto de Brasília, viu uma grupo de petistas gritando para que Lula não fosse preso. “Ele estava na cadeira de rodas, mas fez questão que eu o ajudasse a alcançar o grupo para engrossar o coro ‘Lula livre'”, diz Gerone. Carlini amava os cachorros. Tinha dez deles, quatro moram no apartamento em São Paulo, e os demais em uma casa de campo da família.

A política estava entre as paixões do professor. Ele fundou o diretório do PT em Moema. Era amigo de José Dirceu, Ministro Chefe da Casa Civil (2003 a 2005), durante o governo Lula, do vereador Eduardo Suplicy (PT-SP)  e do deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP).

Em 2018, Carlini no aeroporto de Brasilia participando da  manifestação  “Lula Livre”

Mas Carlini ficou conhecido mesmo pelas pesquisas e trabalhos sobre os efeitos das drogas no organismo. Nos últimos dois anos, mesmo com a dificuldade de se locomover, continuava dando aulas e usava a bengala para apontar as projeções na tela. Participava dos simpósios, audiências públicas em Brasília e de cursos livres, que ministrava para explicar a importância da Cannabis medicinal na Saúde e bem-estar. O primeiro estudo brasileiro sobre a eficiência da Cannabis no controle das convulsões da epilepsia foi de autoria de Carlini e completou quatro décadas no início deste ano.