Diante do silêncio da Câmara sobre o PL do cultivo de Cannabis, farmacologista diz que a hora é de resiliência

Tenho conversado com muitas pontas do setor da Cannabis medicinal desde que o texto substitutivo foi apresentado na Câmara dos Deputados em agosto. A expectativa era de o PL 399-2015, que pede o cultivo da Cannabis medicinal e do cânhamo industrial, caminhasse logo para votação. Mas os trâmites são mais longos e demorados do que a maioria gostaria.

O fato do projeto não ter seguido para votação não quer dizer que foi engavetado. Ao contrário, ainda está em discussão. Portanto, é hora de um engajamento muito da cadeia canábica.

Abaixo segue o texto de Fabricio Pamplona, farmacologista de canabinoides, com trabalho muito respeitado no meio, que dá um recado importante: o da necessidade da resiliência e da coragem do setor. Como a maioria, ele entende que o projeto foi engavetado, só que não. Confira.

Um passo à frente e dois pra trás

 Em dezembro, todos os meios de comunicação do país noticiavam a publicação da RDC 327/2019, que regulamenta definitivamente a Cannabis medicinal no Brasil. Grande marco, definitivamente importante, ao que se sucedeu uma euforia imensa do mercado, ainda com poucos resultados concretos.

Havia muita esperança em um outro processo importante, sendo gerido cuidadosamente na Câmara dos Deputados, o PL 399/2015, que prometia entregar o que a RDC não viabilizou: o cultivo de Cannabis no Brasil, e a produção local do canabidiol de ponta a ponta em nosso país.

De novo, uma grande euforia, um processo marcado por antagonismos de bancadas de valores mais tradicionais, e que resultou em… engavetamento. É questão de tempo, vai acontecer, mas por hora, tomamos mais um banho de água fria.

O que hoje parece ser uma discussão de vanguarda, que ainda deixa indignado os mais conservadores, já estava sendo discutido há 40 anos por uma pessoa ímpar em toda essa história, o professor Elisaldo Carlini, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

Um homem e pesquisador à frente de seu tempo, que naquela época já produzia evidências clínicas de alto valor científico –e que ainda hoje são utilizadas em todo o mundo para que se discuta o que já é óbvio para quem entende do tema: o canabidiol funciona e é seguro.

Infelizmente, o professor Carlini nos deixou na última quarta-feira (16). Mas o seu enorme legado permanece. Se é natural que o ciclo da vida se encerre com a morte, é igualmente natural que as pessoas com grandes contribuições se tornem imortais através dos seus atos. “Vão-se os dedos, ficam os anéis”. É assim que devemos lembrar do professor Carlini, que nos deixou um verdadeiro tesouro de herança.

Se hoje estamos discutindo sobre a regulamentação, “Lei da Cannabis”, e as pessoas já estão tendo acesso a esse tratamento no país, em grande parte é por conta dele. Diretamente pelas suas ações, e indiretamente pelas pessoas que inspirou e incentivou pela carreira científica, assim como eu que fui uma espécie de “neto científico”.

Ele foi orientador do meu orientador, o professor Reinaldo Takahashi, da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). Vamos mirar nos exemplos deste homem corajoso e resiliente para seguir em frente, mesmo que a sensação seja de pequenos avanços e grandes tropeços.