Mara Gabrilli pede que ministro da Justiça se desculpe ‘por veicular fake news’

Foram três meses esperando por um sinal da senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP), que havia me prometido uma entrevista exclusiva sobre o PL 399-2015, que legaliza o cultivo e o comércio da Cannabis medicinal e do cânhamo industrial. Eu sabia que ela estava em um processo de recuperação das sequelas da Covid-19. A cada quinze dias, ligava para saber como estava. O jeito era esperar mesmo.

Nesta quarta-feira (30), ela me telefonou. A voz forte e inconfundível da senadora do outro lado do celular não deixava dúvidas do motivo da ligação. “Vou começar dizendo que me recuperei com a ajuda da Cannabis medicinal. Eu tinha tantas contrações que elas pareciam um bicho andando dentro de mim. Até durante o sono eu tinha contrações fortes derivadas das dores que caminhavam pelo meu corpo.”

Ela continuou, sem pausa, e com muito fôlego: “A Covid-19 me fez viver um ciclo debilitante. Como sequela, tive fortes dores e espasmos. Para sanar essas dores, fiz tratamento com óleo de CBD (canabidiol) e o Mevatyl (remédio com THC, tetrahidrocanabidiol, e CBD, que custa cerca de R$ 2.500). Não é justo que apenas quem tem dinheiro consiga o acesso a um tratamento capaz de aliviar dores e atenuar sintomas emocionais– como a ansiedade, que nunca foi tão presente na população quanto nesta pandemia.

Foi depois deste prólogo, que Gabrilli disse o real motivo do contato: a indignação com a nota de repúdio contra o PL 399-2015, assinada pelo ministro da Justiça André Mendonça e o Conselho Nacional de Política Sobre Drogas. “Isso foi um tapa na cara. Como assim? Uma moção de repúdio vindo do Governo. É um tapa na minha cara. É um tapa na cara de todos os pacientes, principalmente daqueles que não têm dinheiro para custear um remédio importado”, foi assim, quase como um desabafo, que a senadora começou a elencar todos os motivos para sua indignação.

“O ministro não usa a expressão paciente. Ele não pensa na farmácia distribuindo medicamento, mas em boca de fumo. O pensamento dele é perverso. Ninguém está falando disso, muito menos o PL.  Na minha cara ele pode dar muitos tapas, mas não na cara do brasileiro pobre que está sentindo dor. Ele mostra desinformação. O ministro está veiculando informações falsas, fake news. Ele diz que os estudos com Cannabis são pífios. Mendonça está sendo injusto. Justo ele que é ministro da Justiça. Mendonça deveria pedir desculpas por essa atitude aos pacientes.”

Abaixo, os principais pontos e contrapontos levantados pela senadora sobre a moção do ministro e o documento do senador Eduardo Girão (e mais 28 senadores) que pedem a distribuição pelo SUS apenas do CBD puro.

  • A pandemia mostrou a necessidade de investirmos em ciência e saúde. E hoje a Cannabis medicinal é uma pauta de Saúde Pública.
  • Na última sexta-feira (18) o senador Eduardo Girão (e mais 28 senadores) publicou um Manifesto ao Ministro da Saúde sugerindo inclusão de remédios à base de CBD (somente) no SUS. No entanto, coloca essa inclusão como “alternativa ao enorme risco da permissão do plantio e o cultivo da Cannabis no território brasileiro”
  • O manifesto do senador também é inverídico, pois defende que o SUS (Sistema Único de Saúde) forneça medicamento exclusivamente de CBD, que não existe. “Até mesmo o Puridiol tem 5% de outros componentes porque não é possível isolar somente a molécula de CBD. O documento não tem base científica e não considera os estudos publicados pelo mundo. Além disso, exclui muitos pacientes que precisam da Cannabis medicinal, que é o conjunto de canabinoides interagindo.
  • Gabrilli se mobilizou para um contraponto ao manifesto sobretudo quanto à formação de que somente o CBD tem ação terapêutica. “Eu tomei puridiol e fez mal para mim”, disse.
  • O Brasil está liderando um estudo sobre o uso da Cannabis medicinal nos transtornos de humor. Com o título “Impacto do óleo integral de Cannabis na saúde mental de profissionais da linha de frente no combate a COVID-19”, a pesquisa vai recrutar 300 voluntários de todo o país entre médicos e enfermeiros.
  • Um óleo de Cannabis rico em CBD pode beneficiar pessoas com epilepsia refratária e convulsões, mas quem tem esclerose múltipla, tipos raros de câncer, dores neuropáticas ou espasmos como ela, talvez se beneficiem mais com um óleo rico em THC.
  • O CBD age bem para quem tem epilepsia e convulsões, mas quem tem esclerose múltipla, tipos raros de câncer, dores neuropáticas ou espasmos como ela, não se beneficiariam. Nestes casos o THC tem um efeito mais promissor.
  • Ela aponta a incoerência desse grupo querer que o SUS importe medicamentos com um custo mais elevado e ser contra o plantio e cultivo da Cannabis para fins medicinais em nosso país– o que baratearia muito o custo do SUS.  “Especialistas estimam em uma redução de pelo menos 50% do custo.”
  • O SUS ainda vai seguir pagando muito mais caro que os americanos, israelenses, alemães, canadenses…. são cerca de 20 países que já regularam o cultivo e a produção em seus países para facilitar o acesso da população aos tratamentos.
  • Em alguns estados americanos, lojas de Cannabis puderam permanecer abertas durante a quarentena, exatamente como os supermercados e as padarias. Estamos falando de estabelecimentos legais, não de boca de fumo.
  • O Líbano, por exemplo, fez como a Flórida e a Colômbia, e aprovou o cultivo de maconha para fins medicinais e industriais com o objetivo de salvar a economia. Além de impedir o tratamento dos mais carentes economicamente, o Brasil perde a oportunidade de ser alavancado por uma nova economia, a da Cannabis medicinal.
  • O PL 399 não atende a todos os anseios (como plantio individual), mas a discussão foi feita ouvindo vários segmentos que defendem o uso medicinal. Gabrilli lembra que este é um avanço importante.  “Israel modificou a lei 16 vezes. Queremos promover as discussões e adequar à realidade brasileira, sempre visando promover a saúde de todos.”