Fundação FHC e Humanitas360 debatem o avanço seguro da maconha medicinal

A discussão foi longa, duas horas, e quente. Quatro especialistas de áreas distintas– saúde, política, direito e ativismo social – foram chamados para debater se é possível avançar no uso da Cannabis medicinal com segurança, nesta última terça-feira (20). O webinário foi organizado pela Fundação FHC (Fernando Henrique Cardoso),  Instituto Humanitas360, presidido por Patricia Villela Marino, e Quebrando o Tabu, de Fernando Grostein.

Participaram do evento, o deputado federal Luciano Ducci (PSB-PR), relator do substitutivo do PL 399-2015, sobre o cultivo e o comércio da Cannabis medicinal e do cânhamo, o advogado especializado na área Emílio Figueiredo, conhecido pelo serviço pro bono comunitário e a favor do cultivo individual, o neurocirurgião Pedro Pierro, um dos mais experientes prescritores brasileiros de canabinoides, e a bancária e mãe de paciente Cidinha Carvalho, fundadora da ONG Cultive, que dá aulas de plantio.

Ao abrir o evento, Marino fez uma breve retrospectiva do quanto o país vem lutando seguidamente pela quebra de preconceitos e tabus. “Nos anos 1980 e 1990, artistas e líderes da sociedade civil como Betinho, Cazuza, Henfil, Zilda Arns e Dráuzio Varella, no Carandiru (filme) foram alguns dos nomes protagonizaram a luta pelo preconceito e ao acesso pelas medicações de HIV”, disse ela.

E seguiu lembrando o pioneirismo do Brasil na criação dos genéricos que popularizou o custo das medicações. Hoje profissionais liberais, familiares de pacientes e legisladores lutam para quebrar paradigmas e dar o direito a todos os brasileiros de se tratarem com a Cannabis medicinal.

Na figura institucional do Humanitas360, Marino abraçou também a luta pela quebra do preconceito em relação à  Cannabis medicinal, entre tantas outras. O debate “O uso medicinal da maconha: é possível avançar em segurança?” foi mediado por mim, Valéria França, e por Sérgio Fausto, da Fundação FHC.

Abaixo, algumas frases dos participantes que foram marcantes. Para quem quer refletir sobre o tema, vale à pena ver o debate. Para isso, clique aqui.

 

Pedro Pierro, neurocirurgião disputado no mercado pelo conhecimento acumulado em Cannabis. Foto: Divulgação.

Pedro Pierro, neurocirurgião

“Ninguém sabe ao certo o que tem dentro dos produtos importados, porque ninguém fiscaliza isso no exterior ou aqui. Se tem pesticida, metais pesados… Com o PL teríamos o controle, a rastreabilidade do produto, e não teríamos a dolarização do remédio.”

“O PL melhora a segurança dos nossos produtos e de nossos pacientes. ”

“Nosso problema é acesso.”

“A Cannabis medicinal é um produto legalizado para quem tem dinheiro. Quem pode arcar com um medicamento que custa R$ 2,5 mil, que pode ser para a vida inteira?”

Cidinha é um dos brasileiros com permissão de cultivo: Cannabis sativa e ruderalis (ao fundo)/
(Foto: Valéria França)

Cidinha Carvalho, mãe de paciente

“Minha filha tem síndrome de Dravet, uma epilepsia severa com risco de morte súbita. Minha batalha começou em 2013, quando eu li sobre a Charlote Figi (que também tinha síndrome de Dravet e deixou de ter convulsões com o canabidiol).  Minha filha tinha tido várias paradas respiratórias. Eu podia perde-la dormindo, a qualquer momento. É desesperador”, disse Carvalho que pensou em comprar maconha de traficante.

Luciano Ducci: relator do PL 399-2015. Foto: Divulgação

Luciano Ducci, relator do PL e pediatra

“O ministro tem que ir atrás dos cultivos ilegais. É muita insensibilidade não divulgar que as muitas pessoas podem melhor a condição de vida de filhos que convulsionam todos os dias, e que possam ter acesso aos medicamento de Cannabis. Não é todo mundo que tem acesso a médicos particulares como o Dr. Pedro Pierro… O ministro da Justiça (André Mendonça) não leu o PL (399-2015)”, disse ao se referir ao documento de repúdio ao PL 399-2015, que Mendonça assinou no fim de setembro.

“O uso medicinal da Cannabis já é autorizado no Brasil. Isso não é nenhuma invenção que estamos fazendo. A Anvisa (Agência de Vigilância Sanitária) autoriza há alguns anos à venda de medicamento à base de Cannabis, que é o caso do Mevatyl, para esclerose múltipla, que custa quase R$ 3mil. O conselho federal de medicinal reconhece, desde 2014, os medicamentos à base de canabidiol. A Anvisa autoriza, desde o ano passado, a fabricação de medicamentos no Brasil com extratos importados. É um absurdo importar insumos e extratos para produzir medicamentos aqui. Construímos um substitutivo ao Projeto de Lei 399 (do deputado Fabio Mitidieri PSD-SE), que possibilita que o Brasil cultive Cannabis psicoativas e não psicoativas com fim medicinal, dentro de normas de segurança. E quem não respeitar as normas vai responder por isso.”

O advogado Emílio Figueiredo que hoje tem uma consultoria: visual antigo, antes da pandemia e sem barba. 
(Foto: divulgação)

Emílio Figueiredo, advogado e ativista

“O PL- 399 vai ajudar muito. Vamos sair do âmbito da proibição… Haverá um caminho legal para se caminhar. Vai diminuir as demandas de massa de judicialização que pede o fornecimento do SUS e também os pedidos  de habeas corpus para o cultivo…O PL está trazendo o direito do uso veterinário, da pesquisa e do uso industrial.”

“Temos que pensar no paciente e no Estado. Me preocupa o valor que o Estado paga pelo fornecimento da Cannabis medicinal, mas com o PL em plena ação até este valor será impactado assim que as empresas colocarem os remédios nas farmácias. Mas se chegarmos daqui a 5 anos com remédios a R$1.600 não vai adiantar para o paciente… Sou a favor do controle de preços…Não pode haver um ganho exacerbado das empresas e farmácias.”

“Por questões ideológicos não faço a judicialização dos pedidos de medicamentos.”

“A Cannabis medicinal não deve ser entregue às grandes empresas de medicamentos. Pessoas como eu e a Cidinha começaram essa luta”, disse o advogado e referindo-se aos riscos que todos eles correram antes dos avanços regulatórios da Anvisa (Agência de Vigilância Sanitária) pelo direito ao tratamento.