Hospital Alemão Oswaldo Cruz inicia estudo clínico para avaliar a Cannabis no tratamento da dor crônica
Localizado na região central de São Paulo, o Hospital Alemão Oswaldo Cruz inicia a primeira pesquisa da instituição com Cannabis em janeiro. O estudo tem o objetivo de verificar a eficácia deste fitorerápico no tratamento da dor crônica refratária (resistente a qualquer medicamento). A iniciativa é do Gapec (Grupo de Apoio e Pesquisa em Canabinoides), coordenado pelo médico Romeu Fadul Júnior, de 52 anos.
A pesquisa envolve 120 pacientes, divididos em dois grupos. Metade vai tomar um óleo sem canabinoides –o chamado placebo –, enquanto os demais recebem óleo com canabinoides, produzido pela empresa Biocase Brasil ,que patrocina a pesquisa. “A previsão do término da pesquisa é junho”, diz Fadul Júnior.
O Gapec tem apenas um ano e começou no centro de oncologia do hospital. Segundo o coordenador, a ideia é expandi-lo para as outras áreas. Abaixo a entrevista com o médico que fala da importância da pesquisa nesta área.
Como o senhor se interessou pelos canabinoides na medicina?
Romeu Fadul Júnior: Sou cirurgião plástico, mas tive uma experiência familiar que me levou a estudar a medicina canabinoide Minha mãe estava muito obesa e precisou fazer uma cirurgia de joelho. Os médicos encheram-na de opióides. Estes medicamentos geram a diminuição do trânsito gástrico intestinal. Provoca uma grande prisão de ventre. A barriga dela se distendeu. Como ela não conseguia ir ao banheiro, quiseram operá-la. Pesquisei e vi que em Londres e no Canadá, os médicos substituíam os opiódes pelos canabinoides, que não provoca a prisão de ventre e alivia as dores.
O senhor tentou a mesma estratégia?
Romeu Fadul Júnior: Sim. Não queria que ela fosse operada novamente. Comecei a dar óleo de Cannabis medicinal e aos poucos fui aumentando a dose na medida que diminuía os opióides. Ela foi desmamando. Consegui substituir 80% dos opióides e o intestino voltou a funcionar direito. Isso foi em 2011. Três anos depois (em novembro de 2014), ela operou o joelho novamente. Desta vez, começou a tomar os canabinoides antes de operar e diminuímos bastante a necessidade dos opióides.
Imagino que a partir daí seu interesse tenha se multiplicado.
Romeu Fadul Júnior: Foi um processo natural. Logo depois, entrei como associado da Sociedade Médica Inglesa de Medicina Canabinoide. Passeia estudar mais o assunto. No Brasil, houve o movimento das mães, em 2015, e isso foi muito bom. Já havia duas empresas no mercado começando o movimento de importação legal.
Como surgiu o centro de pesquisa canabinoide no Oswaldo Cruz?
Romeu Fadul Júnior: Na verdade, a diretoria de oncologia nos chamou para que pudéssemos formatar juntos um grupo de apoio e pesquisa de canabinoides, devido ao conhecimento que eu acabei adquirindo. Frequentava congressos sobre o assunto e todos sabiam disso.Trouxe para o hospital o modelo da Clínica Mayo, nos EUA, que tem um centro de medicina canabinoide. A ideia era copiar a estrutura. A Clínica Mayo tem um centro mais complexo, separado por especialidade. Esse é o futuro do grupo do Hospital Oswaldo Cruz, crescer e se expandir. Os EUA estão 20 anos na nossa frente. Abrimos o centro canabinoide no fim de setembro de 2019.
Já pensaram na segunda pesquisa que farão?
Romeu Fadul Júnior: Há muitas evidências da Cannabis no controle de náusea e vômito. Esse será a outra pesquisa clínica.
O hospital já usa a Cannabis no tratamento do câncer?
Romeu Fadul Júnior: Acho que se não existe outra alternativa. Devemos associar os canabinoides ao tratamento de câncer como auxílio. Não aprovamos nada inalado ou fumado, porque faz mal. Só usamos o óleo. Nossa intenção é fazer o máximo possível de pesquisa, mas levamos em conta as pesquisas que estão em andamento em outros países. A Clinica Mayo e a Universidade de Nova York estão fazendo pesquisa sobre Câncer e Cannabis. Os EUA e a Inglaterra – que tem uma agência de vigilância sanitária muito parecida com a nossa – também.
O senhor acha que o centro ajuda a combater o preconceito em relação a maconha medicinal?
Romeu Fadul Júnior: Estamos falando de ciência. é importante as pessoas entenderem que existe um tratamento fitoterápico com evidências importantes. Há muitos estudos internacionais que provam a importância da Cannabis na medicina. Mas o Brasil precisa abrir mais portas para estudos e também para a formação de médicos nesta área. É isso que o Hospital Oswaldo Cruz está fazendo:inovação, pesquisa e educação.