Vigilância Sanitária fecha laboratório de associação de pacientes de Cannabis medicinal
Era esperada a decisão da Vigilância Sanitária de lacrar o laboratório da associação Flor da Vida, nesta quarta-feira (6), em Franca (SP). A entidade que atende 1800 pacientes de Cannabis medicinal não tem alvará de funcionamento. Além disso, o fiscal encontrou irregularidades, como falta de extintor e ar-condicionado.
“De acordo com o funcionário da Vigilância Sanitária, são pendências pequenas, fáceis de serem corrigidas, mas essas não são a principal razão para o fechamento”, diz o fundador da associação Enor Machado.
Apesar do resultado negativo, ele está até aliviado. “Fiquei com medo de que houvesse truculência por parte da polícia, que carregassem os computadores, por exemplo. Mas o delegado da Dise (Delegacia de Investigação para Entorpecentes) apenas acompanhou o funcionário da Vigilância Sanitária. Foi muito tranquilo”, elogiou Machado.
O advogadoAntônio Pinto Filho, da Flor da Vida, explica os problemas burocráticos da entidade. “Não temos alvará de funcionamento para o laboratório, porque somos uma associação. Para pedir o documento precisaríamos abrir um CNPJ de laboratório fitoterápico, porém mesmo assim não conseguiria permissão, porque produzimos e fornecemos o óleo de Cannabis medicinal.”
Há dois anos, a Flor da Vida entrou com um processo civil com pedido especial para plantio da Cannabis e fornecimento do óleo. A esperança era conseguir uma liminar para plantar e produzir o óleo, até que o processo fosse julgado. “Seria um jeito de trabalharmos com mais segurança”, diz Machado.
O advogado Pinto Filho lembra que “a mesma estratégia foi usada por outras associações, como a Apepi, do Rio de Janeiro, e a Abrace, da Paraiba”. Ainda de acordo com o advogado, no ano passado, a associação conseguiu parecer favorável do Ministério Público, que pediu duas diligência para inspecionar o local. Uma para averiguar a segurança do patrimônio – para levantar se havia cerca elétrica e câmeras, por exemplo.
A outra diligência foi sanitária. Ela aconteceu nesta quarta-feira (6) e resultou no fechamento do laboratório. Para complicar ainda mais a causa, o juiz extinguiu o processo. Por isso, na semana passada, Pinto Filho entrou com pedido de habeas corpus para plantio e produção do óleo para 1.800 pacientes.
A Cannabis medicinal tem eficiência comprovada em diversas doenças raras, como é o caso da epilepsia. Em 2015, a Anvisa (Agência de Vigilância Sanitária) regulamentou a importação para uso compassivo e individual. Para tanto, o paciente é obrigado encaminhar a receita médica para o órgão. Só depois do documento aprovado, consegue fazer o pedido de compra no exterior.
Em 2019, a Anvisa publicou a RDC (Resolução de Diretoria Colegiada) 327. A partir daí, passou a permitir a fabricação nacional de produtos de Cannabis, apenas por laboratório farmacêutico. A comercialização ainda depende da aprovação sanitária, como acontece com qualquer outro medicamento. Detalhe: a matéria-prima usada tem de ser importada, pois o cultivo é considerado crime no Brasil.
“Trata-se de um paradigma desatualizado com as melhores práticas de saúde pública adotadas por diversos países como Alemanha, Austrália e Canadá”, diz Henderson Fürst, advogado e presidente nacional da Comissão Especial de Bioética da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
“Embora a RDC 327 (da Anvisa) autorize a importação do CBD para a produção de medicamento, o acesso quase exclusivo pelo mercado estrangeiro deixa os pacientes à mercê do câmbio e dos interesses do mercado internacional.” Há apenas uma marca de CBD (Canabidiol, substância derivada da Cannabis) à venda nas farmácias do país, que custa por volta de R$ 2.300.
Fürst ressalta que o país aprendeu com a pandemia o quanto fica vulnerável, quando não se privilegia a ciência, a tecnologia e o mercado nacional. “A saúde é direito de todos e dever do Estado e, para muitos pacientes, a Cannabis medicinal é o melhor tratamento”.